sexta-feira, 14 de novembro de 2008

HANDOUT - Carta do Dr. Lionel Trollope

Caro Senhor,

Escrevo logo após nos despedirmos de nosso encontro. Eu serei muito franco – e, por favor, perdoe qualquer incômodo que isso possa causar. Depois de nossa conversa, senti que o senhor – e seus associados - demonstra real preocupação com a situação do jovem Alexander e como amigos, desejam ajuda-lo. Assim sendo, resolvi depositar em vocês minha confiança. Além disso, sinto a necessidade de tirar o peso das minhas costas e compartilhar coisas que deixei de dizer anteriormente. Eu hesito em colocar essas informações no papel, mas não obstante prossigo.

Ao contrário do que possa parecer, estou ansioso por ajudar Alexander. Seu pai era um bom amigo, de modo que eu conheço o jovem desde criança. Ele é um rapaz decente, que, penso eu, foi vítima de circunstâncias infelizes.

Deixe-me começar relatando minha primeira visita a Alexander em St. Agnes, ocorrida em Junho de 1927. O Dr. Highsmith disse que na ocasião, Alexander não estava medicado e que estaria lúcido, comprovei que este era o caso, embora ele manifestasse episódios de confusão. Nossa conversa foi breve e estranha. Ele parecia bem diferente do rapaz que conheci. Uma das poucas coisas que ele relatou e que fez algum sentido, dizia respeito a um livro de sua autoria. Vocês podem não estar cientes disso, mas Alexander publicou anos atrás um trabalho chamado “O Andarilho no Lago”. Eu tenho em minha biblioteca um volume deste livro, embora jamais o tenha lido (seu conteúdo sempre me pareceu difícil de digerir). Ao voltar para Londres encontrei o livro e após iniciar sua leitura senti que era difícil coloca-lo de lado, embora ainda o achasse particularmente bizarro. Estranhamente, alguns trechos estavam em alemão, traduzi da melhor forma embora meu conhecimento do idioma seja limitado. Algumas passagens lembraram a conversa que tive com Alexander no asilo e pude compreender que esse livro é um dos motivos de sua atual instabilidade mental.

Minha segunda visita ao asilo aconteceu cerca de seis meses após a primeira, logo depois do Natal. Nessa oportunidade ele infelizmente estava sob o efeito de medicação. Frustrado, achando que minha viagem até o asilo seria improdutiva tentei uma experiência por conta própria. Eu havia trazido em minha valise algumas anotações sobre o livro e diante de Alexander comecei a ler os trechos. Não sei explicar exatamente o que esperava com isso, suponho que estivesse tentando provocar uma reação de algum tipo. Ao ler as passagens, percebi que havia chamado a atenção de Alexander e ele começou a repetir minhas palavras, sobretudo um trecho em alemão. Eu parei de recitar as palavras, mas ele prosseguiu em um ritmo cada vez mais rápido fazendo um estranho sinal com a mão. O que aconteceu em seguida é difícil explicar.

Ele continuava repetindo o trecho em alemão, até que me levantei para interrompê-lo, pois seu estado de excitação me assustou. De repente senti uma fraqueza e desmaiei. Quando despertei, haviam passado alguns minutos, um dos enfermeiros me ajudava e Alexander observava atrás dele. Sua expressão era triste e ele disse em um sussurro: “Sinto muito Doutor, o senhor não estava pronto para ver isso”.

Não posso deixar de suspeitar que Alexander saiba das circunstâncias misteriosas que cercam a morte de seu pai e irmã, e que essas mortes foram resultado direto do envolvimento de pessoa ou pessoas que o manipularam. Nos últimos anos Alexander esteve na companhia de um homem chamado Edwards. Este senhor é um bem sucedido empresário, com interesse em ocultismo. O pouco que sei a respeito dele, foi obtido através de informações colhidas por um detetive particular chamado Vincent Tuck, contratado por Grahan para saber das atividades do irmão pouco antes da tragédia. Eu temo que Alexander, se libertado, irá procurar por Edwards uma vez mais, o que poderia ser desastroso.

Sinto que fiz o certo ao compartilhar minhas impressões com o senhor. Não preciso pedir sua discrição nesse assunto, para o bem da família de Alexander e para sua própria segurança. Estou inteiramente à disposição para que possamos conversar mais. Contarei mais a respeito de minhas suspeitas quanto a Edwards, em um próximo encontro.

Por fim, relutei em falar a respeito do que vi enquanto estive desmaiado naquela cela do Asilo St. Agnes. Mas se vou confiar em você, devo relatar todos os acontecimentos, mesmo os mais inacreditáveis.

À medida que Alexander falava, eu percebi que não estava mais naquele lugar. Não sei explicar como; mas ao abrir os olhos era como se tivesse sido transportado para outro lugar, uma câmara muito maior, iluminada por tochas. As paredes de pedra cinzenta eram recobertas de estranhos hieróglifos dos quais nada pude compreender. Levantei-me sobressaltado e caminhei até uma ampla passagem que levava a uma varanda. De lá constatei que aquele salão fazia parte de um prédio muito maior e tive a vista de uma esplêndida cidadela, diferente de tudo o que já vi. Não pertencia a qualquer civilização que eu pudesse reconhecer. A paisagem era dotada de ruas largas, construções abobadadas e palácios magníficos. Rampas, escadarias de mármore, grandes obeliscos e colunas de pedra trabalhada. A cidadela ficava no centro de um imenso lago de águas escuras e plácidas. Instintivamente olhei para o alto e para meu horror lá encontrei uma série de estrelas estranhas e dois sóis: um vermelho e outro esverdeado despontando no céu noturno.

Foi então que senti uma inominável aura de ameaça ao meu redor. Uma esmagadora força invisível que parecia tomar ciência de minha presença. Aterrorizado deixei a sacada correndo para a câmara e em meu pânico sequer olhei para trás. Felizmente a visão começou a se dissolver diante de meus olhos e no momento seguinte não estava mais naquele lugar assombrado e sim na cela do asilo.

A única certeza que tenho é que essa experiência foi real e que por pouco consegui escapar de algo que veio ao meu encontro. Algo dotado de grandes asas de couro... Compreende agora por que era tão difícil falar a respeito do assunto?

Cordialmente,
Dr. Lionel F, Trollope

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